Líbia: O que está para além da crise
De OUTRAS PALAVRAS Ponto de Cultura, recortei esta notícia que me pareceu, nalguns aspectos, interessante e que é uma visão diferente da que anda a ser difundida por órgãos de informação que falam "a voz do dono", da especulação e da visão única que procura aproveitar os justos conflitos dos povos para dividir e criar as condições para dominarem os recursos de muitos países, que o imperialismo considera estratégicos.
Diz Hugo Albuquerque, que é um equívoco relacionar os conflitos sociais do Mundo Árabe, com as condições de vida das pessoas. E explica: "nem a Tunísia, tampouco os países afetados pelo efeito dominó, são os mais pobres, desiguais ou politicamente opressivos do continente africano ou do mundo, embora eles sejam pobres, desiguais e opressivos. Antes de mais nada, é preciso ponderar o que disparou essa fantástica explosão do desejo e entender como ele interferiu no campo social." Analisa factores demográficos - grande número de jovens - que provocaram "a irrupção, finalmente, de um modelo de militância capaz de fazer multidão, alternativo ao enferrujado nacionalismo árabe ou ao fundamentalismo islâmico e suas ambiguidades — conseguiram reverter um quadro que, há pouco menos de um ano, era de mais perfeita servidão". Seguidamente recorda que a Líbia é o "país com as melhores taxas de qualidade de vida da África — iguais aos dos melhores países latino-americanos —, onde o extremismo religioso amarga a irrelevância e em relação ao qual os analistas internacionais supunham que jamais seria afetada pelas atuais circunstâncias. No entanto, a Líbia se vê diante de uma revolução que vem a se unir com a multiplicidade de revoluções do continente. A tirania local sob o comando do controverso coronel Gaddafi mistura socialismo autoritário do Leste Europeu, em moldes árabes, com um bocado do nacionalismo nasserista e boas doses de histrionices. Neste exato momento, essa tirania tem protagonizado a mais dura reação vista à Revolução Árabe até agora, ao mesmo tempo em que desmistifica a lenda da viabilidade da “boa ditadura”: regime opressivo que produziria boas “condições objetivas” de vida".
Trata-se de uma opinião com que não concordo totalmente pois esquece a luta de classes em que a sociedade actual vive. Seria utópico pensar na possibilidade de um socialismo que não fosse autoritário para com os que pretendem explorar as classes trabalhadoras. A análise terá que ser feita em função do desempenho desse "objectivo de socialismo". Terá havido a participação e o controlo das classes trabalhadoras? Não basta dizer-se que se é socialista. É preciso que a prática leve a que o povo e a classe trabalhadora, tomem a direcção do processo.
Portanto o que está em causa é o autoritarismo desligado do povo. Aliás, Hugo Albuquerque, dá-nos essa pista ao dizer que nesse socialismo "se é que podemos considerá-las como um socialismo, haja vista que não são os trabalhadores que controlam os meios de produção" conclui portanto que a reacção popular é mais de natureza libertária.
Confirma essa natureza de socialismo ao esclarecer que "Embora a ditadura de Gaddafi tenha sido reabilitada pelo Ocidente — seja por ter aderido à Guerra ao Terror norte-americana, seja pela repressão dos imigrantes no Mediterrâneo ao lado dos europeus —, a revolta reforça que os árabes não estão mais dispostos a tolerar nem o imperialismo, nem as degenerações autoritárias “contra-hegemônicas”, que surgiram em sua decorrência — reconciliadas ou não com o Ocidente".
Hugo Albuquerque termina o seu artigo com um certo optimismo "Se a situação de submissão real daqueles países ao sistema internacional não será mais tolerada, também não há espaço para um novo Nasser (e muito menos para um novo Sadat) , o que é maravilhoso". e ainda: "Apesar de tudo, o desafio dos revolucionários líbios ainda é enorme, face à brutalidade da repressão. Seja como for, nada será como antes e é isso que importa". Concordando que nada será como dantes, e não querendo também incorrer no erro de uma visão pessimista, pelo que se vê da movimentação da CIA, do imperialismo e da sua força armada NATO, e sabendo nós a debilidade que existe nas organizações da classe trabalhadora, tenho fortes receios que os revoltosos possam sucumbir ou ser conduzidos a caminhos que abram as portas a novos tipos de ditaduras com base na exploração económica desses países.
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