A influência dos movimentos operários e da revolução russa
Até 1917, o Império Russo foi uma monarquia absolutista que vivia num regime feudal. A monarquia era sustentada principalmente pela nobreza rural, dona da maioria das terras cultiváveis. Das famílias dessa nobreza saíam os oficiais do exército e os principais dirigentes da Igreja Ortodoxa Russa.
Pouco antes da Primeira Guerra Mundial, a Rússia tinha a maior população da Europa, com cerca de 171 milhões de habitantes que se defrontava com a extrema pobreza.
Mais de 80% desta população era rural e mais de 90% não sabia ler e escrever.
Na Rússia o início do processo de industrialização ocorreu tempo depois da maioria dos países da Europa Ocidental estar já em franco desenvolvimento. O capitalismo russo foi activado por medidas como o início da exportação do petróleo, a implantação do caminho de ferro para servir em especial a indústria siderúrgica.
Com a industrialização foi-se estabelecendo progressivamente uma classe operária, igualmente explorada, mas com maior capacidade reivindicativa e de organização. A situação de extrema pobreza e exploração em que vivia a população, acelerou o desenvolvimento das ideias socialistas.
Mortos durante a repressão do Czar Nicolau II
A indústria foi instalada nos principais centros urbanos, Moscovo, São Petersburgo, Odessa e Kiev. Aí se concentrou o operariado, de cerca de 3 milhões de pessoas. Recebiam salários miseráveis, eram submetidas a jornadas de 12 a 16 horas de trabalho, não recebiam alimentação e trabalhavam em locais imundos, onde proliferavam as doenças. Nessa dramática situação de exploração, os operários foram-se organizando e as ideias socialistas eram a esperança de uma vida melhor, numa sociedade mais justa.
Os Czares criaram formas repressivas, dando grandes poderes à polícia política do governo (Okhrana), que exercia severo controle sobre todos os sectores importantes como na educação, imprensa e tribunais. Os partidos políticos (Narodnik e o Partido Operário Social-Democrata Russo), actuavam na clandestinidade.
Impedidos de protestar, camponeses e trabalhadores urbanos eram ferozmente oprimidos pela aristocracia agrária e empresários industriais em crescimento.
Apesar da repressão política, comandada pela Okhrana, muitos intelectuais aliaram-se à classe operária na organização e nas lutas pela emancipação dos trabalhadores.
Em 1906 o Czar Nicolau II, na tentativa de conter a contestação, criou um parlamento, a Duma. Era uma "democratização" de fachada. O poder e controlo dos órgãos do Estado continuava a ser dos senhores feudais e burguesia ascendente. Porém, numa Europa em ebulição agravada durante a Primeira Guerra Mundial pela escassez de alimentos, as lutas dos trabalhadores acentuaram-se dando origem às revoluções de Fevereiro e de Outubro que levaram os bolcheviques ao poder em 1917.
Abertura da Duma
Em 15 de Novembro os bolcheviques promulgaram a Declaração de Direitos dos Povos da Rússia que se tornou a base legal para o ex-Império Russo, vindo a criar um embrião do Estado Socialista.
Em toda a Europa, e mesmo no mundo, cresceu a esperança dos trabalhadores numa nova sociedade. Recordemos que, nesse mesmo ano, o México aprovou a primeira constituição do mundo que dispõe sobre direito do trabalho, estabelecendo a jornada de oito horas, a proibição de trabalho a menores de 12 anos, a limitação da jornada dos menores de 16 anos a seis horas, a jornada noturna máxima de sete horas, o descanso semanal, a proteção à maternidade, o salário mínimo, o direito de sindicalização e de greve, o seguro social, a proteção contra acidentes de trabalho, entre muitos outros artigos igualmente progressistas.
As lutas acentuaram a consciência dos trabalhadores e a convicção de que a sociedade iria mudar em todo o mundo. As lutas e pressões das organizações dos trabalhadores levaram a burguesia no poder, em muitos países, a adoptar políticas mais intervencionistas do Estado, na procura de um equilíbrio nas relações capitalistas, chegando nalguns casos a impor a supremacia do interesse colectivo sobre o interesse individual. Passou a substituir-se, assim, gradativamente, o capitalismo selvagem, liberal, sem freios, por um sistema jurídico que passa a constituir a génese do Direito do Trabalho.
Não deixou de haver exploração, mas as liberdades dos trabalhadores, em muitos casos, aumentaram com a possibilidade de organização e influência directa na legislação do Estado ainda comandado pela burguesia.
Com o fim da 1ª Guerra Mundial, em 1919 foi assinado o Tratado de Versailles. Os países que o assinaram, comprometeram-se a criar normas reguladoras do Direito do Trabalho e a apoiar a Organização Internacional do Trabalho (OIT), criada então com a finalidade de lutar por condições dignas para os trabalhadores. Tomaram corpo as teorias da humanização das condições de trabalho, na busca pela paz social nas empresas e nos países. O tratado e as acções desenvolvidas foram um estimulo para a legislação trabalhista.
Decorrente destes movimentos, a constituição de WEIMAR, de 1919 incluiu garantias sociais básicas autorizando a liberdade de organização dos trabalhadores e a possibilidade da sua representação na empresa. Criou um sistema de seguros sociais e também a possibilidade dos trabalhadores colaborarem com os empregadores na fixação de salários e demais condições de trabalho.
Tudo isto influenciou a Europa, e as "democracias" sociais. As democracias, longe de serem um poder do povo e para o povo, evoluiram para consagrar muitos dos direitos que os trabalhadores conseguiram com as suas lutas.
Também depois da segunda Guerra mundial, em 1948 foi aprovada, na Assembleia Geral das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, com vários artigos que prescrevem claramente a protecção ao trabalhador. A luta de classes prossegue para patamares mais elevados.
Porque a União Soviética não assinou a Declaração Universal dos Direitos do Homem na ONU em 10 de dezembro de 1948 assim como outros paises do bloco soviético, Tchecoslováquia, Jugoslávia, Polônia, Ucrânia e Bielorussia?
ResponderEliminarResposta a Jorge:
ResponderEliminarApesar de não ter comigo documentação que permita uma resposta mais fundamentada, tentarei obte-la se necessário. O que sei sobre o assunto é que apesar da Declaração Universal dos Direitos do Homem ter sido um documento muito importante, em especial naquela altura do pós-guerra, a forma como foi feito e os seus autores tinham uma visão liberal da "cidadania" dando mais importância aos direitos individuais que aos direitos colectivos e sociais. Recomendo que leia os meus textos 7 e 8 http://c-de.blogspot.com/2011/02/o-que-e-democracia-8.html, em especial no que se refere à Democracia Formal e Democracia Substancial, para ter uma ideia das visões antagónicas entre elas.
Numa sociedade como a Soviética a implantar o Socialismo, e num mundo onde a luta de classes é intensa, as liberdades individuais, vistas na óptica da Declaração Universal, são liberdades que não têm em conta as liberdades colectivas das classes exploradas. Cito apenas um exemplo que me parece significativo. A construção do Socialismo que estava em curso e assediada interna e externamente, exigia a expropriação da classe exploradora dos meios que lhe proporcionavam a exploração da classe trabalhadora - os meios de produção. Estes direitos dos trabalhadores, como classe explorada e em larga maioria, não estavam nem estão contemplados na Declaração Universal dos direitos humanos. Creio que o que disse, juntamente com o que escrevi sobre a Liberdade e o Liberalismo http://c-de.blogspot.com/search/label/Liberdade, poderá ajudar a conhecer a minha visão sobre o assunto.
Complemento da Resposta a Jorge:
ResponderEliminarNa discussão e aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, os países socialistas pretenderam dar prioridade aos direitos sociais, económicos e sociais e numa perspectiva colectiva, enquanto que, os países capitalistas, foram relutantes nesse reconhecimento, dando sempre prioridade aos direitos individuais. O melhor que se conseguiu foi uma tentativa de equilíbrio entre esses direitos sociais e os direitos individuais, civis e políticos que, no conjunto da Declaração, constituem a parte substancial.
São quatro, os pilares que sustentam todo o texto. O primeiro, consiste nos direitos e liberdades de natureza pessoal (art. 3-11), o segundo para os direitos do indivíduo em relação aos grupos a que pertence (art. 12 a 17), o terceiro é composto dos direitos políticos individuais (art. 18 a 21), e o quarto para os direitos económicos, sociais e culturais, numa perspectiva também individual (art. 22 a 27).
Uma das disposições importantes, e voltada para o futuro, da Declaração é o artigo 28 que diz que "Toda a pessoa tem direito a que reine, no plano social e no plano internacional, uma ordem capaz de tornar plenamente efectivos os direitos e as liberdades enunciados na presente Declaração". Ou seja, os direitos humanos dependerão, da ordem social que prevalece no conjunto da ordem internacional. Normalmente são os conflitos sociais, económicos e culturais, que geram as mais graves violações dos direitos humanos. De acordo com Cassese (1991:49) os direitos humanos consagrados na Declaração Universal "só podem ser implementados se se criar uma estrutura social que permite o desenvolvimento dos países e se o contexto geral internacional facilitar o desenvolvimento económico nos países pobres e uma maior redistribuição da riqueza nos países desenvolvidos. "O gozo pleno dos direitos humanos não é viável para quem sofre de subdesenvolvimento e pobreza". Esta intenção do Artigo 28, não deixa de ser apenas intenção, dado que ainda não foram abolidas as classes e permanecem na sociedade interesses antagónicos que, dependendo da correlação de forças, suprimem a uma das classes parte mais ou menos volumosa dos direitos individuais. Contudo mesmo sendo utópica, esta Declaração é um passo histórico importantíssimo no apoio à evolução das consciências e aos que lutam para conseguir os seus direitos.