Para onde vai o que produz um trabalhador?
Acordo a pensar que tenho que pagar a prestação do carro. Lá se vai o pouco que resta até ao final do mês. O capital financeiro utiliza todos os mecanismos para transferir o magro fruto do trabalho, para os centros de exploração e especulação, bancos e mercados.
Revolto-me. Os bancos nada produzem. Não extraem minério, não são colectores de produtos da terra ou da pecuária, não são transformadores de matérias primas, enfim, nada produzem. A sua actividade parasita é “guardar” o dinheiro dos outros, dos que produzem (e também dos que o ganham sem produzir) e, depois, emprestar a juros elevados, para os que precisam de dinheiro. Os elevadíssimos lucros dos bancos provêm desse negócio especulativo, e também de outros negócios do mesmo tipo, como o "fazer papel dinheiro", mas agora nem vou pensar nisso. Tenho a prestação para pagar.
São os juros, de empréstimos que os bancos fazem, com o nosso dinheiro, que servem para "chupar", como um aspirador, os nossos bolsos.
Tudo isto vêm a propósito de quê? Da prestação do carro, como poderia vir a propósito do que, em cada hora, nos acontece quando pagamos alguma coisa com o pouco dinheiro que ganhámos - e que não chega para todos os dias do mês. Em cada factura uma boa parte é para esses parasitas.
Saio de casa, penso ir de transportes públicos para o trabalho mas, como tenho que ficar a trabalhar até à noite e os transportes são muito escassos, faço as contas, e concluo que vou perder mais de duas horas, só na ida e, a volta não sei como será. Resolvo pegar no carro, que estou a pagar ao banco - e metade do mês está parado por falta de dinheiro para a gasolina. Só de juros é outro tanto do valor do carro, que por sua vez já tem os impostos e tudo o mais que o fabricante tem que pagar aos bancos. Com a casa, o mesmo se passa. Com a casa e, com tudo o resto que, mesmo sem sabermos, tem incluído, no preço, os juros, sempre os malditos juros, (ou os correspondentes "encargos financeiros"). Ponho o carro a trabalhar, oiço as notícias no rádio (poupo o custo do jornal) e lá vêm os "mercados" a dizer que os juros subiram. Não há novidades. Não podemos irritar os mercados para os juros não subirem, mas se os acalmamos os juros sobem na mesma. Os preços dos alimentos também a subir. Os ordenados a descer. Só desgraças, é o que vimos, desde que a "crise" do capitalismo se revelou (e digo revelou porque ela já existia há muito). Ao fim de muitas desgraças lá vem, finalmente, uma boa notícia. Os preços do petróleo estão a baixar. Óptimo, pois o depósito do carro está quase na reserva.
Depois de ter trabalhado que nem um mouro, recebendo o mesmo que recebia há três anos, apesar de fazer o trabalho de dois, (o meu camarada foi despedido há quatro meses e já não vai ser substituído) e de a produção ter duplicado, uma vez que as novas máquinas fazem o trabalho em metade do tempo, saio estafado, já noite. Bendigo a opção de ter trazido o carro. Tenho ainda que fazer 65 quilómetros até chegar a casa. Com o depósito quase vazio, aproveito a baixa do preço do petróleo para meter gasolina.
Qual não é o meu espanto, quando vejo que, de ontem para hoje, a gasolina aumentou. Porquê? Fico indignado e chego a casa desfeito. Quero é descansar, mas a notícia que ouvi, que o petróleo tinha descido, martela-me o pensamento. Vou à Internet para confirmar. Procuro no google. É então que vejo no blog “Praça do Bocage” O mistério dos preços dos combustíveis líquidos em Portugal, um artigo que li avidamente.
Dele retenho que os preços do petróleo, que geram os preços da gasolina, resultam de um cambão que "não é feito ao nível de cada mercado nacional, mas sim, ao nível das entidades (os tão célebres “mercados”) que fixam as cotações internacionais dos refinados e que está, à partida, viciado no sentido de aumentar sempre a acumulação especulativa de capital financeiro. Em Portugal utiliza-se normalmente o referencial de Roterdão (Platts)". Mais uma novidade que confirma que andamos todos às ordens dos mercados e das leis que os defendem, leis essas que não foram decididas em Portugal. O autor do artigo, Demétrio Alves retira ainda uma segunda conclusão: "à medida que aumenta a probabilidade de crescimento dos preços das ramas petrolíferas, e isso será incontornável no futuro a médio e longo prazo,... – mesmo que houvesse um ambiente de paz generalizada, o que é improvável, a escassez de recursos (pico do petróleo) e aumento, compreensível, de consumos nas economias dos BRIC, conduzirá ao aumento dos preços – os “mercados” aproveitam sempre e imediatamente para subir os refinados, em parte sem reversibilidade (histerese económica), para que as taxas de lucro dos grandes monopólios internacionais não cessem de subir. Propor medidas para combater esta situação não é tarefa simples no actual contexto internacional, e estão fora do âmbito deste texto e do seu autor".
Sem ter percebido tudo, pois parte das causas estão também fora do meu âmbito, percebi, no entanto, que, baixe ou não o preço do petróleo, os preços da gasolina pouco se alteram, para assim aumentarem os lucros das grandes petrolíferas.
Vi mais adiante no artigo do Praça do Bocage, que "O cidadão português “médio” tem, como se compreenderá sem grande esforço, muito mais dificuldade em pagar os combustíveis de que um cidadão “médio” europeu, porque os salários em Portugal situam-se muito abaixo da média europeia, enquanto os “custos de vida” não são assim tão diferentes". Eu que o diga! Foi isso mesmo que senti hoje, como venho a sentir há anos, desde que a direita se instalou no poder em Portugal e vem destruindo as expectativas e as esperanças que depositámos nos anos de revolução do 25 de Abril.
Continuei a ler o artigo e vi os imenso dados que mostram, claramente, o que se vem passando em especial desde a derrota dos países socialistas. Vi nos gráficos o sofrimento dos povos da República Checa, da Hungria, da Roménia, e outros que estão a ser dominados pelo capitalismo e pela corrupção. Tal como nós, que vimos o nosso 25 de Abril a ser torpedeado, também eles foram bem enganados.
Continuei a ler o texto e verifiquei aquilo que estava já na minha percepção: "Se fizermos uma comparação na base de uma “taxa de esforço para comprar combustíveis”, ponderada com os salários mínimos fixados para os diferentes países europeus..., essas diferenças ainda são mais notórias". Nota a seguir, Demétrio Alves, com certa ironia mas, caracterizando a realidade, que esta "comparação não tem um valor absoluto, porque quem receba apenas o salário mínimo nem poderá comprar combustível para alimentar uma viatura que, aliás, não pode ter".
Como é possível alguém dormir e repor as energias que gastou a trabalhar - para quem obtém elevados lucros e os suga através do "aspirador" da especulação financeira, desses malditos "mercados"? Como é possível chamar a isto Democracia?
É a recordar a canção de José Afonso, Os Vampiros, que me vou deitar. Amanhã, a luta continua!
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