23 de abril de 2011

25 de Abril,

era uma vez  uma espingarda que floriu e  uma mulher que gritou o seu nome: Liberdade.


Licínia Quitério, grande amiga, escreveu no seu belo blog "O sítio do poema", há um ano, um texto que creio ser oportuno lembrar, pela grande sensibilidade que revela.


Foi numa manhã  de chuva miúda que punha a cidade cinzenta e chorosa, igual ao rio. Que idade tínhamos? Sei lá eu. Adultos de vidas feitas, imperfeitas. Crescêramos à sombra da inquietação de nunca chegarmos a ter o sol nas vidraças sem cortinas. Por vezes cruzávamo-nos em salas bafientas, em ruas escusas, onde as falas se faziam de repente claras como se a luz afirmada as invadisse. Tínhamos amigos com quem podíamos soltar pragas e discutir o futuro como se dele tivéssemos certezas. Íamos lendo e descobrindo outras letras, de contrabando e ousadia. Desafinados, cantávamos baixinho canções que só nós ouvíamos, feitas por outros que viviam no perto ou no longe,  atravessando os túneis, saltando as devesas.
Na manhã de chuva miúda, descemos às ruas e corremos às praças e sempre nos encontrámos  e nos abraçámos e chorámos e cantámos, com a voz alta que tínhamos guardada. Soltámos o amor e ele fez caminhos imprevistos, com cheiro a cravos e cafés de madrugar. Foi há tanto tempo. Tempo de vidas vividas e acabadas. Tempo de ter ficado mais um tempo para contar que era uma vez  uma espingarda que floriu e  uma mulher que gritou o seu nome: Liberdade.

Licínia Quitério

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