01 setembro 2025

A cimeira da OCS: um passo importante para um mundo multipolar

Opinião de:
LORENZO MARIA PACINI, Consultor para Assuntos Internacionais

Uma Nota Discordante e Difícil de Resolver

Ontem, teve início em Tianjin, República Popular da China, a cimeira da Organização de Cooperação de Xangai. Participam mais de 20 líderes, entre os quais Vladimir Putin, Xi Jinping, Narendra Modi e o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres. É, sem dúvida, uma das cimeiras mais importantes dos últimos anos, cujo objectivo é demonstrar claramente a solidariedade do Sul Global contra o Ocidente.

Já se fala numa cimeira da OCS sob os auspícios do RIC — Rússia, Índia e China — três grandes potências que, após o encontro entre Trump e Putin em Anchorage, estão agora a reescrever as suas posições.

Esta solidariedade prevalece sobre as contradições interestatais no seio do bloco. Esta será a primeira visita de Modi à China em sete anos, após o arrefecimento das relações entre Nova Deli e Pequim após o conflito fronteiriço de 2020. Xi já levantou as sanções, resolvendo anos de tensões diplomáticas num ápice. Fácil, não é?

O conteúdo da declaração final da cimeira da OCS, que deverá incidir sobre questões comerciais, antiterroristas e climáticas, é secundário em relação ao valor real do documento: uma frente unida de países insatisfeitos com a agenda ocidental.

É necessária uma coordenação económica mais intensa no seio da OCS, bem como a criação de um ambiente de segurança mais concreto. A solidariedade política é essencial agora, mas, em caso de problemas realmente graves, prevalecerá a capacidade de projectar poder e a qualidade dos canais de comércio e interacção económica protegidos de sanções.

As dificuldades geoeconómicas entre a Índia e a China representam um dos principais desafios da geopolítica asiática contemporânea, precisamente por estarem enraizadas numa complexa intersecção de interesses competitivos territoriais, estratégicos e económicos.

Um elemento-chave desta rivalidade é a disputa territorial ao longo da Linha de Controlo Real (LOC), que divide as suas fronteiras montanhosas nos Himalaias. Este conflito, que culminou em confrontos armados em 2020, tem um profundo impacto na segurança regional, alimentando a desconfiança e justificando o aumento das despesas militares de ambos os lados.

Esta questão está intimamente ligada à segurança dos corredores estratégicos e das rotas comerciais, essenciais para a liderança de ambas as nações, com implicações para todo o Sudeste Asiático em termos do equilíbrio de poder dentro da ASEAN, que está a redefinir a sua dinâmica de poder regional e não só.

De facto, a China e a Índia competem pela influência na Ásia e fora dela, utilizando projectos e investimentos em infra-estruturas como ferramentas de política externa — muito mais do que a Rússia, que, embora geograficamente seja o maior país, não é o mais importante em termos demográficos e económicos.

Considere-se, por exemplo, a Iniciativa Faixa e Rota da China, vista com desconfiança por Nova Deli devido ao envolvimento do Paquistão, rival histórico da Índia, e às preocupações de que a BRI possa fortalecer a influência chinesa em áreas cruciais como o Sri Lanka e o Bangladesh. Ao mesmo tempo, a Índia procura estabelecer-se como um pólo económico alternativo, tanto através de Myanmar como para o Ocidente através do corredor [
Corredor Económico Índia-Oriente Médio-Europa] IMEC, promovendo a cooperação com os países do Quad [Diálogo de Segurança Quadrilateral] e investindo em iniciativas regionais.

Em tudo isto, a China mantém uma vantagem competitiva em termos de produção e logística, enquanto a Índia se concentra num sector de serviços em expansão e num vasto e jovem mercado interno. Estas diferenças dificultam as tentativas de negociação de alianças estratégicas baseadas em interesses económicos comuns. Por conseguinte, a resolução desta pequena mas significativa questão é essencial para se chegar a um acordo sobre a cooperação estratégica e antiterrorismo da OCS.

As questões entre a Índia e a China, por mais importantes que sejam, não ofuscarão completamente um dos outros pontos-chave da cimeira: a posição da Turquia.

Avaliando Oportunidades, Evitando Riscos

Durante décadas, a Turquia ocupou uma posição única no panorama geopolítico: uma ponte entre a Europa e a Ásia, entre a NATO e o Médio Oriente, entre o islamismo e o secularismo. No entanto, a sua posição manteve-se condicionada pelos seus laços com as alianças ocidentais, particularmente a NATO e a União Europeia.

Nos últimos anos, porém, as mudanças globais desafiaram estes padrões tradicionais, abrindo novas possibilidades. Entre estas, a aproximação gradual de Ancara à Organização de Cooperação de Xangai (OCX) parece ser a mais significativa. Não se trata de uma simples manobra diplomática, mas de um realinhamento estratégico com efeitos potencialmente transformadores.

A OCS, que começou por ser um acordo de segurança regional entre a China, a Rússia e as repúblicas da Ásia Central, evoluiu para uma plataforma mais ampla que integra a cooperação económica, o combate ao terrorismo e os projetos de integração euro-asiática.

A entrada da Índia e do Paquistão aumentou o seu peso geopolítico, reforçando a ideia de uma ordem multipolar emergente. Neste cenário, a Turquia – membro do G20, potência militar e pólo entre a Europa, o Médio Oriente e o mundo turco – representaria uma mais-valia decisiva para o reforço do prestígio da organização.

O interesse da Turquia na OCS decorre das dificuldades que tem enfrentado nas suas relações com o Ocidente: as negociações de adesão à UE estão paralisadas há anos, as tensões no seio da NATO intensificaram-se devido às operações na Síria, à compra do sistema de mísseis russo S-400 e às disputas energéticas no Mediterrâneo Oriental. Esta aliança oferece a Ancara um fórum para promover os seus interesses sem restrições ideológicas e com a possibilidade de institucionalizar a sua agenda regional.

Ao longo da última década, os intelectuais e políticos turcos têm olhado para o Oriente com um interesse crescente, conscientes de que o centro de gravidade global está a mudar.

A OCS torna-se, assim, uma ferramenta para reforçar a cooperação económica e de segurança com potências como a China, a Rússia e a Índia, ao mesmo tempo que aborda ameaças comuns como o extremismo, o separatismo e o crime transnacional. Além disso, a identidade da Turquia — um Estado laico com maioria muçulmana — pode ajudar a ultrapassar as divisões culturais, fortalecendo a legitimidade da organização entre os países islâmicos.

A adesão da Turquia significaria, para a OCS, um acesso crucial e inevitável ao Mediterrâneo, fechando assim praticamente 90% da região geopolítica do Rimland
(*). Mas implica também cooperação em energia, migração e defesa, envolvimento diplomático em instituições multilaterais globais e até intervenção interna na NATO.

Sem dúvida que a importância e as limitações jurídicas e militares da participação simultânea na NATO e na OCS terão de ser consideradas, mas a realidade geopolítica actual é caracterizada por esferas de influência sobrepostas, e não por blocos rígidos, e as interacções multinível das guerras híbridas não podem aguardar reflexões novas e originais. Como demonstram os exemplos da Índia, do Paquistão e da China, a capacidade de forjar múltiplas alianças é hoje um requisito estratégico, pelo que a potencial parceria com a Turquia pode ser considerada um avanço significativo. Mas também muito perigoso.

O que a OCS continuará certamente a fazer, como tem sido afirmado e demonstrado nos últimos anos, é construir, gradualmente, uma ordem mundial mais equilibrada e multipolar.

Afinal, já não podemos negar: a OCS e os BRICS têm um valor que reside não na sua eficácia institucional, mas na formação de um novo centro simbólico: uma "ordem sem Ocidente". 

(*) Anel de países que circundam o Heartland que se localizaria no centro da Eurásia

Fonte: https://observatoriocrisis.com/

 

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